Crise do ácido sulfúrico. E agora?

Neste artigo você vai saber:

  • Como mudanças no processo e de insumos podem minimizar os impactos da crise do ácido sulfúrico?
  • Manuseio e aplicação do ácido clorídrico
  • Saiba mais sobre o ácido clorídrico

Como mudanças no processo e de insumos podem minimizar os impactos da crise do ácido sulfúrico?

Por Marcel Lorenzi

Quando analisamos a origem da palavra crise, identificamos que o vocábulo vem do latim crisis, que significa “momento decisivo”, e também do grego krísis, “decisão”, que Hipócrates, chamado de “pai da medicina”, já empregava com esse sentido. Nesse contexto, se avaliarmos no dicionário sinônimos para a palavra crise, encontramos, entre muitas outras, falta, escassez, incerteza, instabilidade, emergência. Todos esses sentidos ilustram muito bem o momento pelo qual o setor sucroenergético vem enfrentando com a baixa oferta de ácido sulfúrico no mercado.

Dentro desse cenário, além da dificuldade em encontrar o insumo, temos o reflexo direto no valor de mercado, que tem atingido patamares 20, 30 vezes e até maiores que o valor tradicional. Isso impacta diretamente na operação industrial e no planejamento financeiro feito para a safra.


E nesse momento surgem os questionamentos de “o que fazer?”, “temos alternativas?”, “como continuar operando a fermentação com eficiência?” e até “por que usamos ácido no tratamento do fermento?”.


Começando pela última pergunta, o tratamento ácido da fermentação é uma prática comum nas fermentações com reciclo de células há mais de 60 anos. A praticidade, a eficiência e o custo/benefício fizeram do tratamento ácido do levedo com ácido sulfúrico uma prática constante sem grandes inovações ao longo do tempo. Adicionalmente, usando o ácido de maneira adequada, controle da dosagem e procedimentos operacionais adequados tem a finalidade de reduzir a contaminação bacteriana, desflocular o levedo e potencializar a ação de alguns antibióticos.

Mas, neste momento estamos em “crise”, e respondendo às demais indagações, sim, temos alternativas que podem ser adotadas para que a sua fermentação continue operando com uso otimizado de ácido no tratamento, mantendo os processos eficientes mesmo em momentos com uso reduzido ou até com ausência de ácido sulfúrico.

Dentre as possibilidades que podemos adotar dentro desse cenário, temos a possibilidade da realização de uso contínuo de antimicrobianos atrelado a redução do uso de ácido sulfúrico. O uso de pH mais elevados (superiores a3 ,0 por exemplo), diminui a eficiência dos princípios ativos (sendo relativo dependendo das moléculas adotadas), mas não impedem a sua atuação. No contexto de aplicação continua, são uma alternativa viável em relação aos insumos que dependem estritamente de pH mais baixos (ao redor de 2,5 ou menos). Nesse contexto também temos produtos com princípios ativos naturais, como os derivados de lúpulo e reativos de oxigênio, que além de poderem ser utilizados normalmente na rotina, também podem ser utilizados nas indústrias que tem a produção de levedura seca ou venda de fermento durante a safra.

Ainda dentro do contexto de alternativas ao uso do ácido sulfúrico, uma outra tecnologia que retorna com grande potencial é o uso do ácido clorídrico (HCl). Há 12 anos atrás também passamos por um momento crítico com relação ao ácido sulfúrico como estamos vivendo nos dias de hoje, também relacionado às variações de demanda para a indústria de fertilizantes, mineração, síntese química, que afetou consideravelmente os preços e a disponibilidade do ácido sulfúrico para as usinas ao longo desta safra. O HCl despontou na época e agora retorna aos holofotes como um insumo potencial e viável, que não apresenta riscos à fermentação e nem à corrosão de materiais e equipamentos.

Após as alternativas e possibilidades levantadas pelo artigo, não podemos deixar de lado que tudo dentro das usinas tem sinergia entre si, afinal o processo de produção é contínuo. E além do mais, a fermentação é um processo biológico, o que faz toda a diferença. Dessa forma, vale ressaltar a importância das boas práticas de fermentação que incluem condições operacionais adequadas e controladas no tratamento do levedo e na condução da fermentação, bem como a atuação preventiva através do uso de leveduras selecionadas e/ou personalizadas, uso de mosto com boa qualidade microbiológica (contaminação até 102 bastonetes/mL e ausência de leveduras).

Utilizando uma frase comum no setor “uma usina não é igual a outra”, a adoção de alternativas e de novas tecnologias deve ser avaliada dentro da realidade de cada usina, na qual a eficiência e desempenho devem ser medidos em paralelo com a viabilidade financeira. Cada usina terá as suas medidas e a melhor composição para poder driblar a “crise” do ácido sulfúrico.

Ácido clorídrico: armazenamento e aplicação

Considerando as dúvidas que tem surgido referente aos cuidados com o uso do ácido sulfúrico, a Fermentec consultou a UNIPAR, parceira do projeto e responsável pela produção de HCl.

Para armazenamento do HCl, em hipótese alguma pode ser utilizado o mesmo tanque do ácido sulfúrico. O tanque para armazenar o HCl deve ser de CPVC (polivinil clorado) ou de resina com fibra de vidro, sendo esta a opção mais recomendável por ter maior durabilidade. Dentro desse contexto, a Usina deve avaliar o investimento e o melhor custo-benefício.

Vale ressaltar que em hipótese alguma deve ser colocado o HCl em qualquer tanque que haja resíduos ou ainda quantidade, mesmo que pequena, de ácido sulfúrico. O HCl é vendido na concentração de 32%, enquanto o ácido sulfúrico utilizado pelas usinas, geralmente é comprado na concentração de 98%. A mistura desses dois ácidos, considerando essas concentrações e proporções diferentes de água na composição, pode provocar acidentes sérios.

Com relação ao sistema que envolve a aplicação do HCl no tratamento do fermento também devemos ter cuidados especiais. A tubulação de dosagem também deve ser de CPVC ou resina, e as bombas do sistema também deve ter na sua estrutura materiais plásticos (polietileno, polipropileno ou teflon), de forma que o HCl não ataque as partes metálicas. Por fim, vale destacar que a tubulação de dosagem nas cubas deve ser “afogada” de forma evitar que haja o desprendimento de gás cloro para a atmosfera, o que pode causar danos à saúde.

Saiba mais sobre o ácido clorídrico

Na safra 2008/2009 as variações de demanda para a indústria de fertilizantes, mineração, síntese química, afetou consideravelmente os preços e a disponibilidade do ácido sulfúrico para as usinas ao longo desta safra. Isto pressionou a necessidade de um insumo alternativo viável e com custo/benefício compatível para o uso nas fermentações industriais. Além disso, um trabalho feito pela Fermentec em parceria com a UNIPAR possibilitou a viabilização técnica de um insumo alternativo com grande potencial. O ácido clorídrico (HCl). Essa união, que envolve questões comerciais favoráveis e potencial técnico de uso, possibilitou ao ácido clorídrico a oportunidade de ser usado como uma alternativa inovadora e viável através de sua aplicação para o tratamento ácido do levedo. Foi mais uma aplicação que foi agregada ao portfólio de usos do ácido clorídrico.

Mas não tem usinas utilizando, por quê?

O uso do ácido clorídrico para o tratamento do levedo veio para quebrar o paradigma da indústria, que até então dependia exclusivamente do ácido sulfúrico e antibióticos para controlar a contaminação bacteriana.

Dessa maneira, a quebra de paradigma não é fácil… exige um trabalho intenso, afinal são anos e anos de tradição do ácido sulfúrico. Mas é importante termos claro a existência dessa alternativa viável, seja nos momentos em que o custo do ácido sulfúrico se eleve, seja como uso por opção.

Mas o HCl realmente não vai afetar a minha fermentação?

A resposta é simples: Não. Além das avaliações prévias em laboratório, a Fermentec conduziu na Usina Mandu na safra 2009/2010 uma avaliação de 250 fermentações em batelada comparando os efeitos do ácido sulfúrico com o ácido clorídrico. E os resultados foram claros ao comprovar que o uso do HCl é viável e não representa riscos à fermentação.

Para ilustrar, na Figura 1 é possível visualizar um comparativo de 40 tratamentos ácido ocorridos na avaliação industrial, sendo 20 com ácido sulfúrico e 20 com ácido clorídrico. Está evidente que não há interferência negativa do ácido clorídrico. O discreto aumento da viabilidade verificado com uso do HCl pode ser explicado por questões operacionais mais favoráveis e não devido ao uso do ácido.

Figura 1. Comparativo da viabilidade da levedura no tratamento ácido com os 2 insumos avaliados no processo industrial – ácido sulfúrico e ácido clorídrico. Dentro do universo de 250 fermentações avaliadas, foram extraídas para essa comparação 40 fermentações e o critério para seleção dos dados foi pH máximo de 1,9 no tratamento ácido.

Adicionalmente, na Safra passada (2020/2021), a Fermentec e a UNIPAR voltaram a trabalhar em parceria em testes em escala piloto, com o intuito de levantar ainda mais subsídios que sustentam a viabilidade técnica e econômico do uso do HCl no tratamento ácido das leveduras. Em setembro de 2020 a Fermentec acompanhou uma semana de testes na planta piloto instalada no SENAI/Sertãozinho/SP. Foram feitas análises químicas e microbiológicas (viabilidade, brotamento celular, aglomeração e contaminação bacteriana) em cada uma das fermentações, para que fosse possível verificar se os tipos de ácidos utilizados no tratamento do levedo (sulfúrico ou clorídrico) podiam afetar de maneira diferente a fermentação.

O trabalho foi intenso e revelou novamente resultados relevantes e positivos. Em relação à contaminação bacteriana e produção de ácido láctico, não foram observadas diferenças entre os dois ácidos utilizados. Também não foram observados efeitos negativos do HCl sobre a viabilidade e brotamento do levedo em comparação com o H2SO4. Ao contrário, com o avanço dos ciclos fermentativos a viabilidade e brotamento do levedo se mantiveram tão elevados quanto o que foi observado para o tratamento com H2SO4. Vale destacar que o HCl apresentou uma tendência de menor aglomeração em relação ao H2SO4, embora um número maior de observações se faz necessário para confirmar estes resultados.

Dessa forma, considerando todo o conjunto de dados avaliados, podemos concluir que, considerando o contexto fermentativo, mais uma vez não encontramos pontos negativos na avaliação do uso do HCl no tratamento da levedura para a fermentação. Com isso, novamente a Fermentec reitera a viabilidade técnica do uso do HCl para sua aplicação no tratamento ácido das leveduras. E, ainda na linha de levantar mais indicativos de viabilidade técnica e econômica, a Fermentec e UNIPAR voltarão a trabalhar em parceria um projeto de avaliação do uso do HCl em escala industrial no 2º. Semestre de 2021.

Se eu optar pelo HCl terei economia no uso de insumo para o tratamento ácido?

Se considerarmos a quantidade de ácido utilizado, na base 100%, a quantidade HCl requerida para se atingir os mesmos valores de pH alcançados pelo ácido sulfúrico é menor. Isso é facilmente explicado pela química das moléculas, sendo que o HCl é um ácido mais forte que o H2SO4. Sendo mais forte, o HCl libera mais facilmente o hidrogênio contribuindo para um abaixamento mais rápido do pH do meio.

Com relação a custos, a economia depende dos valores comerciais praticados pelo ácido sulfúrico e pelo ácido clorídrico. Assim, neste caso, é preciso avaliar essas questões usina a usina. O que podemos adiantar é que no cenário atual do dólar com valores elevados a possibilidade de ganhos econômicas é elevada.

Mas e o efeito corrosivo do cloreto sobre o aço inox da minha indústria?

Mais uma questão que não demanda preocupações. A UNIPAR, fabricante de HCl e parceira da Fermentec nos trabalhos de validação deste insumo, conduziu em paralelo trabalhos com a Coppetec (UFRJ/RJ) e CCDM (Ufscar/SP) que demonstram que o uso de HCl na fermentação não acarreta efeito corrosivo maior no Aço Inox em comparação ao uso do ácido sulfúrico tradicionalmente empregado.

Ainda dentro deste tema, com o intuito de agregar ainda mais informação técnica e trazer credibilidade ao uso do HCl na fermentação, a UNIPAR também iniciou na safra passada (2020/2021) um novo projeto em parceria com a Profa. Dra. Idalina Vieira Aoki do LEC – Laboratório de Eletroquímica e Corrosão, pertencente ao Departamento de Engenharia Química da USP – EPUSP. O objetivo desse trabalho, que foi iniciado a partir das amostras coletadas nos ensaios feitos na planta piloto do Senai/Sertãozinho/SP, é avaliar a corrosividade de vinhos tratados com H2SO4 e HCl para os diferentes metais encontrados nas usinas, como aço carbono, aço 304, aço 316 e 316L. E, novamente, como no trabalho de anos atrás, temos resultados preliminares muito interessantes e favoráveis ao uso do HCl.

Para os resultados de perda de massa para aço carbono, por exemplo, os vinhos com o uso do H2SO4 apresentaram resultados mais agressivos que os vinhos que receberam o HCl. Para as avaliações feitas com aço inox 304, 316 e 316L, os resultados preliminares são estatisticamente iguais para os vinhos com pH acertado com HCl ou com H2SO4. Ou seja, não há diferenças entre os ácidos, reforçando que não há impacto negativo pelo uso do HCl com relação à corrosão.

Bibliografia
USO DO ÁCIDO CLORÍDRICO PARA O TRATAMENTO DO LEVEDO EM ESCALA INDUSTRIAL. 2009. Lopes, M.L., Parazzi Jr, O., Borges, E.P., Paulillo, S.C.L., Lorenzi, M.S., Campos, D.C. e Amorim, H.V.
AVALIAÇÃO DO USO DO HCL EM FERMENTAÇÕES EM ESCALA PILOTO – SENAI – SERTÃOZINHO/SP. 2020. Parazzi, O., Sattolo, B., Moraes, E., Borges, E.P., Lopes, M.L., Lorenzi, M.S.

Agradecimento
Planta Piloto Senai/Sertãozinho

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