Cinzas no açúcar, da teoria à prática

O teor de cinzas no açúcar branco é um dos parâmetros fundamentais para avaliar a qualidade do produto. As cinzas correspondem aos materiais inorgânicos que permanecem após a incineração da matéria orgânica do açúcar, sendo formadas, principalmente, por sais minerais. Tradicionalmente, as cinzas eram quantificadas pelo método que envolve a incineração do açúcar a 525°C após a adição de ácido sulfúrico, resultando nas chamadas cinzas sulfatadas. No entanto, esse método é complexo, demorado e requer cuidados específicos devido ao manuseio de reagentes químicos.

Como alternativa, é amplamente utilizada para a determinação de cinzas é o método baseado na condutividade elétrica de uma solução de açúcar. Esse procedimento, também recomendado pela ICUMSA, é mais rápido, seguro e ambientalmente amigável, proporcionando uma estimativa confiável do teor de cinzas por meio da condutividade elétrica da solução, que é influenciada pela presença de íons presentes no açúcar.

A medição do teor de cinzas no açúcar é essencial porque a presença excessiva de sais pode causar problemas na utilização do produto. Em aplicações como adoçantes líquidos e bebidas, os sais em excesso podem precipitar ou favorecer a precipitação de outros íons, prejudicando as características visuais do produto. Além disso, a sobrecarga de sais pode impactar o desempenho de resinas de troca iônica em processos de refino.

Com o objetivo de investigar o problema de maneira mais detalhada e propor estratégias de controle, este estudo buscou identificar os principais componentes responsáveis pelo teor de cinzas no açúcar branco. Para isso, foram analisadas 52 amostras de açúcar provenientes de diferentes regiões do Brasil, abrangendo uma ampla variação nos teores de cinzas.

Além da quantificação do teor de cinzas, outros 20 parâmetros relacionados à qualidade do açúcar foram determinados, permitindo uma análise mais completa dos fatores que influenciam o problema. As análises estatísticas incluíram regressão linear simples e múltipla, além da separação das amostras em grupos com baixos e altos teores de cinzas, para identificar as principais diferenças entre eles utilizando o teste t com 95% de confiança.

Resultados

Os resultados mostraram que o potássio é o cátion com maior influência sobre o teor de cinzas, explicando 78% da variação observada (Figura. 1). Isso se deve ao fato de o potássio ser o cátion mais abundante na cana-de-açúcar, não sendo eliminado durante o processo de fabricação. Esse íon também exerce forte impacto na condutividade elétrica, aumentando a concentração de cinzas.

Figura 1. Relação entre concentração de potássio e cinzas condutimétricas no açúcar.

Além do potássio, outros íons, como cloreto e sulfato, também apresentaram alta correlação com as cinzas (Figuras 2 e 3). O cloreto, juntamente com o aconitato, atua como contra-íon do potássio. No entanto, o aconitato pode ser destruído ou precipitado durante o processo de fabricação, enquanto o cloreto permanece, justificando sua maior correlação com o teor de cinzas. O sulfato, por sua vez, pode ser introduzido no processo tanto pela cana quanto por insumos utilizados durante a produção do açúcar. A presença de cálcio e magnésio, frequentemente adicionados na etapa de clarificação, também contribui para a formação de cinzas, como podem ser observadas nas Figuras 4 e 5.

Na regressão linear simples, analisamos cada variável isoladamente, sem considerar a influência de outras. Para entender o impacto conjunto das variáveis, usamos a regressão linear múltipla. Esse modelo, que incluiu apenas as variáveis que explicam melhor o teor de cinzas, conseguiu explicar 93,2% da variação, mostrando-se bastante eficaz. O sulfato foi o componente mais importante. Substâncias como sulfito e aconitato, que não se destacaram individualmente, mostraram-se importantes em combinação com sulfato e cloreto. Em relação as análises de agrupamento além das substâncias identificadas nas análises de regressão linear, o fosfato surgiu como um diferencial importante diferenças entre os grupos de baixo e alto teor de cinzas.

Figura 2. Relação entre concentração de cloreto e cinzas condutimétricas no açúcar

Figura 3. Relação entre concentração de sulfato e cinzas condutimétrica no açúcar.

Figura 4. Relação entre concentração de Cálcio e cinzas condutimétricas no açúcar.

Figura 5. Relação entre concentração de magnésio e cinzas condutimétrica no açúcar.

Como controlar estas substâncias no produto final?

O cloreto e o potássio são componentes naturais do caldo de cana-de-açúcar e não são significativamente removidos durante o processo de clarificação, acumulando-se no xarope durante a evaporação. É citado pela literatura que, em maior frequência, os componentes das cinzas se encontram aderidos na parede dos cristais de açúcar. Outra possibilidade, citada com menor frequência, é a presença destes componentes inclusos no interior dos cristais. Portanto, para reduzir esses íons no processo e no produto final, é essencial minimizar a camada de mel no exterior dos cristais de açúcar. Para isso é necessário ajustar o tempo de lavagem do açúcar nas centrífugas de massa A.

A lavagem do açúcar deve começar imediatamente após a retirada do mel, com baixa rotação. Se a lavagem for iniciada antes do escoamento total do mel, ocorre uma mistura de água e mel, elevando o teor de cinzas. No entanto, um início tardio da lavagem pode permitir que o mel seque sobre os cristais devido à passagem de ar, aumentando as cinzas. O aumento do tempo de lavagem de açúcar afeta a recuperação de fábrica e a produção de açúcar, pois parte do cristal será dissolvido pela água e incorporado ao mel final.

Outra estratégia importante é diminuir a proporção de cana-de-açúcar proveniente de áreas irrigadas com vinhaça, especialmente aquelas com saturação de potássio. No passado essa era a ação mais efetiva pois não alterava a recuperação de fábrica ou a produção. Atualmente a vinhaça está sendo melhor distribuída tornando difícil a colheita de cana em áreas sem a aplicação de vinhaça.

Também é importante monitorar rigorosamente as etapas de cristalização e os tempos de cozimento. Cristais mais uniforme, com menor CV, possibilitam uma lavagem mais efetiva dos cristais facilitando a remoção da camada de mel. Ainda nesse sentido, cristalizações realizadas com curto tempo de cozimento podem propiciar a formação de cristais com mel ocluso e/ou em conglomerados que dificultam a lavagem dos cristais após a centrifugação. O sulfato e o fosfato, embora presentes na cana, também são adicionados durante o processamento, seja pela queima de enxofre ou pela adição de fosfato na flotação. A otimização dos processos de sulfitação e fosfatação pode reduzir esses compostos.

Durante a evaporação, a concentração de sulfato aumenta e parte dele se acumula como incrustações, principalmente no último estágio, na forma de CaSO₄. O excesso de fosfato pode minimizar essas incrustações. Entretanto, tratamentos com pH elevado (acima de 7,4) removem fosfatos e favorecem a formação de incrustações, devendo ser evitados.

Os teores de sulfato após a clarificação dependem da concentração adequada de fósforo. O uso de ácido fosfórico, que adiciona fósforo, deve ser limitado ao mínimo necessário. A sulfitação, conduzida em temperaturas adequadas, também é fundamental para evitar a formação excessiva de sulfato. Há no mercado insumos que podem auxiliar na redução da cinza no açúcar. Além dos polímeros, há produtos que agem com quelantes, sequestrando alguns componentes específicos. Estes produtos não removem os componentes do meio, mas reduzem a sua disponibilidade.

Por fim, cálcio e magnésio, presentes na cana e introduzidos durante a clarificação e flotação, aumentam à medida que o pH do caldo clarificado sobe. A concentração de cálcio aumenta significativamente entre pH 7,0 e 7,4, enquanto o magnésio aumenta de forma proporcional. Otimizar esses processos pode ajudar a reduzir o teor de cinzas no açúcar, embora mais estudos sejam necessários para entender melhor essas influências.

Conclusões

Resumindo os resultados das análises estatísticas, os principais componentes identificados como influentes no teor de cinzas no açúcar foram o sulfato, cloreto, potássio, fosfato, aconitato, sulfito, cálcio e magnésio. Esses elementos mostraram uma relação significativa com a variação do teor de cinzas, com destaque para o sulfato, potássio e cloreto, que apresentaram as correlações mais fortes. Substâncias como o aconitato e o sulfito, embora menos expressivas individualmente, mostraram-se relevantes quando combinadas com outros íons, reforçando a importância de considerar múltiplos fatores no controle das cinzas.

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