Por Silene de Lima Paulillo
No final dos anos de 1920 (100 anos atrás) começou a se falar no Brasil da substituição da “fermentação espontânea” pela cultura pura de levedo, já utilizada nos países desenvolvidos. Em 1926, já se importava fermento puro (fermento Fleischmann) dos Estados Unidos e esta adesão elevou o rendimento da produção de etanol de 65,14% para 78%. Posteriormente, outras marcas como Itaiquara, Estrela e Mauri, passaram a ser comercializadas no país.
Os incentivos do Proálcool, programa do governo para estimular a produção de etanol no Brasil, fizeram decolar as pesquisas para melhorar a qualidade da fermentação. Em 1977, a Fermentec inicia suas atividades com análises estatísticas dos processos das usinas e nas décadas seguintes a cariotipagem permitiu a seleção de leveduras com boas características para a indústria. As quatro leveduras mais utilizadas no país atualmente para se produzir etanol são a PE-2, a CAT-1, a FT858L e a Fermel, todas selecionadas pela Fermentec.
Encontrar uma levedura que seja ótima em todos os quesitos para obter um maior rendimento em etanol e que tenha sucesso em todas as destilarias é um evento raro, pois cada unidade industrial tem a sua peculiaridade, como matéria-prima, características do mosto, contaminação, condução do processo, entre outros fatores. Porém, o aumento da frequência do monitoramento das leveduras nos últimos 13 anos permitiu que a Fermentec, em parceria com as destilarias clientes, selecionasse as leveduras Personalizadas, que apresentam elevadas taxas de dominância e persistência durante a safra.
As leveduras Personalizadas se distinguem das selecionadas por serem únicas para determinada fermentação. A seleção de linhagens de leveduras específica para uma destilaria vem crescendo a cada ano e será o futuro das fermentações.
Além de dominarem por completo as dornas e persistirem durante a safra quais são as outras vantagens proporcionadas pelas leveduras Personalizadas?
Por serem selecionadas na própria destilaria, estas leveduras estão adaptadas às condições industriais (seleção dirigida pelo processo) e são mais robustas por apresentarem elevado índice de implantação. A figura 1 apresenta as taxas de permanência das Leveduras Personalizadas ao final da safra, que comprovam a robustez, pois enfrentam aproximadamente 400 reciclos fermentativos sem perderem dominância e persistência (na média dos clientes que as utilizam). Estas leveduras proporcionam uma maior estabilidade no processo e tolerância aos estresses da fermentação.

Portanto, a evolução do uso e entendimento das linhagens de leveduras industriais passaram pelas leveduras de panificação, contaminantes (selvagens), selecionadas, Personalizadas e, em breve, será a vez das leveduras geneticamente modificadas.
Passo a passo para conseguir uma levedura Personalizada
Monitore as leveduras
Realizado pelos métodos de identificação moleculares cariotipagem e/ou DNA mitocondrial.
Até recentemente, o conhecimento sobre a diversidade genética das linhagens de leveduras industriais e contaminantes era baseado em perfis de cromossomos resultantes da técnica de cariotipagem, metodologia que trouxe um grande avanço para o monitoramento e seleção de leveduras (BASSO et al., 1994). Pela cariotipagem foi feita a seleção das quatros linhagens que são mais utilizadas pelas destilarias nacionais e estrangeiras e que atualmente respondem por 70% da produção de etanol no Brasil.
A introdução das análises de DNA mitocondrial permitiu o uso de outra ferramenta biomolecular para avaliação da diversidade de levedura, bem como a distinção entre linhagens que acumulam rearranjos cromossômicos e as linhagens selvagens sem nenhum parentesco.
Quando uma nova linhagem ocorre e domina a população de leveduras em fermentadores industriais, ela tem o potencial para se tornar uma linhagem de levedura Personalizada.
– Cariotipagem: análise está baseada no número, tamanho e intensidade do DNA cromossômico (nuclear);
– DNA mitocondrial: restrito ao material genético das mitocôndrias.
Preserve as leveduras dominantes em um banco de microrganismos
Um banco de microrganismos é uma coleção de culturas que tem como principal objetivo conhecer, preservar e proteger o patrimônio genético de leveduras e bactérias, além de fornecer material biológico de qualidade para atender as pesquisas e a demanda das indústrias nos mais diversos setores. Sem uma preservação adequada, muitos micro-organismos poderiam simplesmente se perder com o tempo ou passarem por uma contaminação cruzada, o que modifica suas características tornando-os inadequados para algumas aplicações.
A manutenção destas coleções exige conhecimento especializado. As rotinas de reativação e cultivo dos micro-organismos devem ser bem estabelecidas. Deve haver métodos de verificação e confirmação de identidade dos micro-organismos, equipamentos especiais para liofilização e preservação em freezer a ultrabaixa temperatura (-80 ºC), domínio de aspectos regulatórios, práticas de biossegurança e manutenção de um banco de dados com informações atualizadas sobre cada integrante do banco. Estas atividades requerem profissionais especializados e capacitados para trabalhar com micro-organismos de diferentes gêneros e espécies.
– Liofilização: método de preservação de células por longo prazo por meio de remoção da água intracelular de materiais biológicos por sublimação;
– Ultrafreezer: método que compreende a manutenção de materiais em freezers a baixas temperaturas, – 20ºC a -80ºC.

Conheça o potencial fermentativo das leveduras
Testes de fermentação separam as leveduras de baixo e alto desempenho para a indústria. As leveduras já isoladas e purificadas são avaliadas individualmente em testes de potencial fermentativo imitando condições de fermentação da unidade industrial onde foram isoladas.
Todos estes testes servem para orientar na decisão de recomendar ou não uma levedura para ser introduzida em um processo industrial de produção de etanol. Isso permite separar o joio do trigo, ou seja, o teste de potencial fermentativo permite avaliar e separar as linhagens ruins daquelas de melhor desempenho.
– Teste rápido: realizado em ciclo único de fermentação em batelada, em escala de laboratório, utilizando mosto da própria usina. São avaliadas a formação de espuma, a floculação, a velocidade de fermentação e produção de etanol.
– Teste completo: avaliação em fermentações de bancada com reciclo de células, utilizando mosto da própria destilaria de origem, sob condições que imitam a fermentação industrial. As leveduras são comparadas em relação à cepa padrão quanto ao desempenho fermentativo. Dentre os indicadores que são avaliados estão: o rendimento da fermentação, floculação, sobra de açúcares residuais no vinho por HPAEC, teor alcoólico, glicerol, produção de biomassa celular, viabilidade, contaminação bacteriana, consumo de ácido no tratamento do levedo, pH do vinho e velocidade de fermentação pelo desprendimento de CO2.
Melhore suas leveduras
Nos últimos dez anos, a Fermentec testou mais de 100 leveduras industriais. Estes testes permitiram identificar leveduras com excelentes habilidades fermentativas e outras que, apesar da persistência e dominância, carregam uma ou poucas características indesejadas (espuma e/ou floculação). Nesse caso, diferentes métodos podem ser aplicados visando melhorar ou lapidar uma linhagem com potencial de uso industrial.
- Seleção massal: técnica que permite selecionar leveduras com fenótipos não floculantes ou não espumantes sem manipulação genética (não são OGM).
- Modificações genéticas tradicionais: pode ser por mutagênese, quando se utiliza algum tipo de tratamento físico ou químico ou por hibridação, quando há conjugação entre as células.
- Modificações genéticas avançadas: engenharia genética para introdução de um novo gene ou modificação.
Fabrique as leveduras Personalizadas
Após a decisão de introduzir uma levedura Personalizada, chegou o momento de fabricar a biomassa inicial. As leveduras Personalizadas selecionadas nas etapas anteriores devem ser multiplicadas em um bioreator, transformadas em pó e embaladas à vácuo em pacote para serem armazenadas até seu uso. Deve existir um controle severo de qualidade em todas as etapas de fabricação visando evitar contaminação cruzada ou recombinação genética, garantindo a manutenção do padrão genético da levedura em questão.
– Bioreator: dotado de controle de todos os parâmetros de processo (temperatura, oxigênio dissolvido, agitação);
– Formulação: o creme de levedura é transformado em pó para facilitar a manipulação durante a preservação e uso;
– Embalagens: as leveduras em pó são distribuídas em sacos plásticos e embaladas a vácuo. Na sequência são colocadas em sacos laminados com a identificação da levedura e suas especificações (data de fabricação, validade, etc.).
Ao final, monitorar a multiplicação pela cariotipagem e/ou DNA mitocondrial.
Propague o fermento no início da safra
Etapa que exige planejamento e controle operacional para atingir o ótimo desenvolvimento da biomassa viva que será responsável pela transformação do mosto em etanol durante os sucessivos reciclos que ocorre ao longo da safra.
As leveduras Personalizadas já iniciaram sua propagação na etapa anterior (fabricação) e devem ser adicionadas ao inóculo de leveduras selecionada no pós-hidratação junto com a alimentação de mosto.
Cuidados com as leveduras Personalizadas
- O transporte e o armazenamento da levedura Personalizada devem ser feitos à temperatura de refrigeração, ou seja, abaixo de 10 ºC, mas sem congelar;
- Usar a levedura dentro do prazo de validade;
- Abrir o pacote somente no momento em que for usar a levedura;
- Uma vez aberto o pacote, usar toda a levedura;
- A levedura Personalizada deve ser propagada junto com as leveduras selecionadas, as quais têm efeito protetor, até que a levedura personalizada domine a população na dorna;
- Deve ser evitada a propagação da levedura Personalizada isoladamente em frascos, tambores, tanques ou similares não assépticos.