Por Mário Lúcio Lopes
Desde a sua fundação, a Fermentec tem se destacado pela inovação em pesquisa e transferência de tecnologia no setor sucroenergético. Ao longo de seus 47 anos de história, diversas ideias saíram do papel e se concretizaram, graças à sólida parceria com as usinas. Essa colaboração formou elos que resistiram aos desafios do tempo e impulsionaram ganhos em eficiência industrial, produtividade, qualidade e sustentabilidade.
Hoje, iniciativas e projetos que vão além da produção de açúcar e etanol estão em andamento impulsionando a diversificação do setor. Entre os estes produtos estão a levedura seca como fonte proteica, o biogás gerado a partir da vinhaça e o etanol de segunda geração (2G) produzido do bagaço da cana. Ao diversificar seus negócios e explorar novas fontes de receita, as usinas têm a oportunidade de mitigar as incertezas provocadas pelas oscilações de mercado e promover a sustentabilidade econômica para as futuras gerações. Para isso se faz necessário o desenvolvimento de novos projetos, novos produtos e processos que tenham por finalidade melhorar o desempenho econômico da indústria, a sustentabilidade ambiental e gerar novas oportunidades de trabalho.
Entre esses novos projetos estão o Cellev, o Bioplástico, Óleolev, o Medfloc e a levedura PE2-Plus que estão classificados dentro de uma escala de maturidade tecnológica que vai de 1 a 9 (figura 1).

Ao classificar as tecnologias em níveis de maturidade, é possível identificar quais soluções estão próximas de entrar no mercado e quais ainda precisam ser desenvolvidas. A escala de Maturidade Tecnológica (Technology Readiness Level – TRL) é uma metodologia usada para avaliar o nível de desenvolvimento e prontidão de uma tecnologia. Criada originalmente pela NASA nos anos 1970 para acompanhar o progresso de suas inovações, a escala TRL foi amplamente adotada por diversas indústrias e setores, incluindo o setor sucroenergético, para medir a evolução de projetos tecnológicos desde a fase de pesquisa inicial até a implementação comercial e sua consolidação como uma inovação para o setor.
A escala TRL está dividida em nove níveis, cada um representando um estágio específico do ciclo de desenvolvimento da tecnologia:
TRL 1 (Princípios básicos): a pesquisa básica é realizada para identificar princípios fundamentais, sem aplicação imediata. É a fase mais teórica e exploratória, com experimentos iniciais;
TRL 2 (Formulação do conceito): os princípios identificados são usados para formular uma aplicação específica. Ideias e conceitos começam a ser desenvolvidos, mas não foram testados na prática;
TRL 3 (Prova de conceito experimental): começam os experimentos laboratoriais para validar o conceito proposto, em condições controladas, mas ainda de forma preliminar;
TRL 4 (Validação de componentes e/ou sistemas em ambiente laboratorial): a tecnologia é testada em laboratório de forma mais integrada, formando um sistema funcional em ambiente controlado;
TRL 5 (Validação em ambiente relevante): o sistema é testado em condições que simulam o ambiente real de operação para provar sua funcionalidade, mas ainda em escala reduzida;
TRL 6 (Demonstração em ambiente relevante): um protótipo é demonstrado em ambiente realista e mais próximo da aplicação final, geralmente em uma escala piloto;
TRL 7 (Demonstração em ambiente operacional): o protótipo passa a ser testado no ambiente de operação, em escala quase completa e de forma mais ampla;
TRL 8 (Sistema completo e qualificado): o sistema está totalmente desenvolvido, testado e qualificado para uso final, validado em seu ambiente real e pronto para ser comercializado.
TRL 9 (Sistema aprovado e em operação comercial): a tecnologia está em pleno uso operacional e comercial. O produto ou processo foi completamente validado em condições reais de mercado.
Cellev
Dentro desta escala procuramos classificar os projetos da Fermentec como descrito a seguir. O Cellev é um projeto promissor, ainda em fase de bancada, o qual a Fermentec busca investidores e usinas parceiras para o desenvolvimento da planta piloto. O objetivo do Cellev é converter o carbono da fibra do bagaço da cana em proteína e etanol 2G, sem a utilização de leveduras transgênicas. Nesse processo, a hemicelulose é hidrolisada e as pentoses são assimiladas pela levedura Torula, que as transforma em aminoácidos e proteínas de alto valor biológico. Com uma tonelada de bagaço (50% umidade), é possível produzir 62 kg de levedura seca, com teor proteico de 50 a 52%, utilizando a levedura Torula, que é conhecida pelo seu sabor “umami”. Por sua vez, a fração de celulose pode ser convertida em hexoses por hidrólise enzimática e, posteriormente, em etanol (110 L), empregando as mesmas cepas industriais de Saccharomyces cerevisiae utilizadas no etanol 1G, sem a necessidade de cepas transgênicas. Outra possibilidade é converter as hexoses em biomassa celular e proteína, da mesma forma que as pentoses.
Bioplástico
O segundo projeto na escala TRL está focado na produção de ácido láctico e bioplástico a partir do poli-L-lactato (Figura 2). Anualmente, mais de 360 milhões de toneladas de plásticos de origem fóssil são produzidas no mundo. A Fermentec está desenvolvendo o processo de produção do isômero L do ácido láctico utilizando duas cepas de Lactobacillus descobertas em fermentações industriais. Em testes com reatores de 40 L, essas bactérias foram capazes de produzir 630 g de L-lactato por kg de açúcar, com concentrações no meio fermentado variando entre 40 e 52 g/L. O ácido L-láctico serve como base para a produção do polímero poli-L-lactato, um bioplástico mais sustentável. Para esse projeto, a Fermentec busca parcerias para implementar uma planta piloto.
Óleolev
O projeto Óleolev, que começou há algum tempo, obteve em 2022 a patente do INPI e também recebeu apoio da FINEP. O objetivo do Óleolev é transformar compostos orgânicos da vinhaça em óleo por meio de leveduras que o acumulam em vesículas lipídicas no interior das suas células (Figura 2). Esse óleo pode ser utilizado como antiespumante na fermentação e como matéria-prima para a produção de biodiesel, diminuindo os custos com insumos e diesel fóssil. Além disso, o processo permite a neutralização do pH da vinhaça, reduzindo em até 80% seu potencial poluente. A vinhaça mais limpa pode ser utilizada em reatores de biogás e na fertirrigação. Em testes com reatores de pequeno porte (40 L), foi possível obter aproximadamente 3 litros de óleo para cada m³ de vinhaça em 12 horas, com um teor de óleo de 18% na levedura, em base seca.

Medfloc
Outro projeto desenvolvido recentemente é o Medfloc. Está é uma tecnologia voltada para o monitoramento da floculação das leveduras ao longo da fermentação, detectando precocemente os primeiros sinais nas fermentações industriais. Além de monitorar a floculação, o Medfloc também mede a velocidade de fermentação e indica o término do processo através da redução do desprendimento de CO2 (Figura 3). O projeto foi desenvolvido em parceria com a SPTech e a Anderson-Negele, fornecedora do turbidímetro ITM51.
PE2 Plus
Por fim, selecionamos a levedura PE2 Plus, modificada por técnicas de edição genética, mas que não é transgênica. Essa levedura foi desenvolvida para evitar contaminações por leveduras selvagens durante a fermentação, que podem causar problemas como floculação, espuma em excesso e sobra de açúcares residuais no vinho. A PE2 Plus é resistente a um inibidor vegetal para o qual as cepas contaminantes de S. cerevisiae são sensíveis, permitindo a redução dessas contaminações nos processos industriais de produção de etanol pela aplicação do inibidor (Figura 4). Este projeto foi desenvolvido em parceria com a LNF para seleção da levedura e produção do inibidor vegetal.

Com o avanço contínuo desses projetos, a Fermentec segue contribuindo para a evolução do setor sucroenergético. Pesquisa e desenvolvimento são desafiadores, mas com parcerias e colaboração, seguimos avançando, sempre em busca de soluções que aprimorem os processos industriais, resolvendo desafios comuns enfrentados pelas usinas, muito além da produção de açúcar e álcool.
Agradecimentos
FINEP e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação com recursos do FNDCT
http://www.finep.gov.br/